Morre Ziraldo, o pai do Menino Maluquinho e um dos maiores cartunistas do país
Ziraldo morreu em sua casa, um apartamento na zona sul do Rio de Jneiro, de acordo com canal Globonews, que cita informações de sua família.
Formado em direito, ele foi cartunista, chargista, escritor, pintor , dramaturgo, cronista, apresentador e humorista, entre outras atividades ao longo de mais de seis décadas de carreira.
Sua saúde debilitou-se após três acidentes vasculares cerebrais sofridos a partir de 2018, quando passou a não dar mais entrevistas por recomendação médica. "Vocês podem achar que eu estou um pouco triste, falando devagar, porque não é meu estilo. Acontece que eu de repente fiquei velho. Foi outro dia. Eu acordei de manhã e estava velho", disse ele, vestindo um de seus indefectíveis coletes. "Mas eu estou alegre, estou feliz da vida."
No mesmo ano, negou ele mesmo um boato de que teria morrido ao publicar uma foto em sua conta no Instagram, dizendo estar “firme e forte”. Ao ser procurado por jornais para comentar o boato, disse estar “ocupado demais celebrando a vida”.

Ao longo dos anos 1960, Ziraldo expandiu seus talentos como chargista, caricaturista e artista gráfico, criando cartazes para filmes, painéis e log
Ziraldo Alves Pinto nasceu em 24 de outubro de 1932 em Caratinga, Minas Gerais. Mais velho de sete irmãos, seu nome é a combinação dos nomes da mãe, Zizinha, com o do pai, Geraldo, como é comum no interior do Brasil.
O cartunista passou a infância em Caratinga, onde cedo revelou sua paixão pelo desenho e pela leitura, principalmente de revistas em quadrinhos.
O menino Ziraldo, diz sua página oficial, desenhava em todos os lugares: na calçada, nas paredes, na sala de aula. Em 1939, com apenas 6 anos, viu seu primeiro desenho ser publicado no jornal Folha de Minas.
Adolescente, mudou-se com o avô para o Rio de Janeiro, onde viveu por dois anos. Retornou a Minas para terminar o curso científico (atual ensino médio) e, em 1957, formou-se em direito em Belo Horizonte. Nessa época, no entanto, sua carreira já estava totalmente voltada para o desenho.
Ziraldo começou a colaborar mensalmente com a revista Era uma Vez. Em 1954, passou a publicar uma página de humor na Folha de Minas, o mesmo jornal que havia veiculado seu primeiro desenho ainda criança.
Ao terminar a faculdade, começou a publicar suas criações em revistas nacionais como O Cruzeiro, publicação dos Diários Associados, e no Jornal do Brasil, veículos que ficavam no Rio de Janeiro, onde voltou a morar.
Charge política
Se 1968 ficou conhecido como “o ano que não acabou”, nas palavras do contemporâneo Zuenir Ventura, o de 1969 marcaria para sempre a carreira de Ziraldo. Em meio a prisões e perseguições, o artista foi contemplado com o principal prêmio do 32º Salão Internacional de Caricaturas de Bruxelas, considerado o Oscar do humor, depois de ter trabalhos publicados em revistas na Europa e Estados Unidos.
Foi também em 1969 que recebeu o Merghantealler, prêmio que homenageia o trabalho pela imprensa livre na América Latina dado pela Associação Internacional de Imprensa.
Ziraldo ainda se tornaria o primeiro artista latino convidado a desenhar o cartaz da campanha anual do Unicef.
Antes do fim daquele ano, publicaria ainda seu primeiro livro infantil, Flicts. A história de uma cor que não encontrava seu lugar no mundo, contada como um poema gráfico, com o mínimo de palavras, encantou crianças e adultos.
Dado de presente pela Embaixada dos Estados Unidos no Brasil aos astronautas americanos que fizeram parte da primeira expedição à lua na sua visita ao país, o livro comoveu Neil Armstrong, que escreveu ao autor: “A lua é Flicts”.

Ziraldo observa com colegas a primeira edição da revista da Turma do Pererê, o primeiro quadrinho nacional de um só autor, em 1962
O pai do Menino Maluquinho
Nas décadas seguintes, Ziraldo passaria a se dedicar mais a sua outra grande paixão, as histórias para crianças, que devorava desde menino em Caratinga. Em 1980, lançou O Menino Maluquinho, sucesso de vendas e ganhador do prêmio Jabuti, o principal das nossas letras.
O menino com uma panela na cabeça e sua capa e espada improvisadas se converteu num dos maiores fenômenos editoriais da literatura infantil, com mais de 4 milhões de exemplares vendidos até hoje e adaptações para o teatro, cinema, série de TV e até ópera.
Desde então, foram mais de 100 livros publicados como autor, colaborador ou ilustrador, e muitos outros best-sellers.
Uma Professora Muito Maluquinha, de 1995, já vendeu mais de meio milhão de exemplares. O Bichinho da Maçã, de 1982, mais de 300 mil. As histórias de Ziraldo também chegaram a crianças do mundo todo, traduzidas em espanhol, italiano, inglês, alemão e francês, entre outras línguas.
Atuação política
Figura sempre ligada à esquerda, o artista foi membro do Partido Comunista Brasileiro. Em 2005, se filiou ao recém-criado Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), para o qual desenhou o logo. Nas eleições, declarou apoio público a candidatos do Partido dos Trabalhadores (PT), como nas duas vezes em que Dilma Rousseff ganhou a eleição e em 2018, quando Fernando Haddad ficou em segundo lugar.
Em 2008, Ziraldo e mais vinte jornalistas que foram perseguidos durante a ditadura, entre os quais o colega Jaguar, tiveram seu processo de indenização aprovado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
O cartunista foi indenizado em mais de R$ 1 milhão, além de receber uma pensão vitalícia de cerca de R$ 4 mil reais. Criticado por alguns colunistas na época, disse que o Brasil lhe devia indenização. “Eu quero que morra quem está me criticando. Porque é tudo cagão e não botou o dedo na seringa. Enquanto eu estava xingando o [ex-presidente João] Figueiredo e fazendo charge contra todo mundo, eles estavam servindo à ditadura e tomando cafezinho com o Golbery [do Couto e Silva, general chefe da Casa Civil no governo Geisel]. Então, qualquer crítica que se fizer em relação ao que está acontecendo conosco eu estou me lixando”, disse na época ao jornal O Globo.
Ao longo dos anos 1960, expandiu seus talentos como chargista, caricaturista e artista gráfico, criando cartazes para filmes hoje considerados clássicos do cinema nacional, como Os Cafajestes e Os Fuzis, de Ruy Guerra. Foi também a época em que se consagrou com seus cartuns e charges políticas na revista O Cruzeiro e no Jornal do Brasil. Personagens como Jeremias, o Bom, a Supermãe e o Mineirinho tornaram-se populares.
Em paralelo, o artista realizava um antigo sonho de infância: se tornava o primeiro autor de uma revista em quadrinhos brasileira de um só criador, reunindo personagens da turma do Saci Pererê, importante personagem do folclore brasileiro, que já publicava nas páginas de O Cruzeiro.
Com personagens como uma criança indígena, e animais típicos da nossa fauna, como a onça, o jabuti e o tatu, a Turma do Pererê marcou época na história dos quadrinhos no país, apesar de ter circulado só até 1964. Em 1973, a editora carioca Primor reeditou uma seleção de suas melhores histórias, que passaram a fazer parte de vários livros didáticos.



